Uma juíza boliviana impôs na segunda-feira, 16, uma sentença inédita, que condena líderes regionais pelo linchamento de um prefeito acusado de corrupção, em crime que aconteceu em 2004 e foi justificado como parte da "justiça indígena comunitária", reconhecida na constituição do país.
O prefeito da localidade de Ayo Ayo, Benjamín Altamirano, foi sequestrado, torturado e queimado em junho de 2004. A sentença foi ditada depois que o Executivo e as organizações indígenas afirmaram que os linchamentos não são parte da "justiça comunitária", que foi reconhecida pelo governo de Evo Morales e é válida desde 2009.
A juíza Nancy Bustillos informou à imprensa que oito dos 25 acusados pela morte do prefeito foram condenados a 30 anos de prisão sem direito a indulto pelos delitos de "assassinato, sequestro, perseguição e tortura", sentença que deverão cumprir na penitenciária de segurança máxima de Chonchocoro, no planalto de La Paz.
Seis acusados foram condenados a penas de entre dois e 20 anos de prisão, outros quatro foram absolvidos e sete estão foragidos.
O fiscal Milton Mendoza, que esteve a cargo do caso quando começaram as investigações, disse que se trata do primeiro caso de linchamento para o qual é ditada uma sentença judicial.
Mendoza destacou que a decisão demonstra que "é difícil, mas não impossível" investigar este tipo de fatos, que tem participação de quase toda uma comunidade gera "uma forma de solidariedade conjunta" para encobrir os culpados.
"Os camponeses iniciaram então uma hostilidade direta contra o Estado, e pior: as autoridades do Governo foram negociar. Mas a sentença, embora lenta e atrasada, nos dá razão, houve assassinato", acrescentou.
Em junho de 2004, o corpo de Altamirano com as mãos atadas e o corpo totalmente queimado na praça central de sua cidade, a 87 quilômetros de La Paz, um dia depois de ter sido sequestrado por desconhecidos na localidade.
A "justiça comunitária" voltou a ser questionada ainda neste ano, após o assassinato de quatro policiais às mãos de indígenas da região andina de Potosí (sudoeste boliviano), em maio.
Os "ayllus guerreiros", clãs indígenas da região de Potosí, torturaram e lincharam os agentes após terem os acusado de cometer delitos na região, onde, acredita-se, há atividades do narcotráfico e contrabando de veículos desde o Chile.
A Organização das Nações Unidas expressou em junho sua preocupação pelo "progressivo aumento" dos linchamentos na Bolívia. Já são pelo menos 30 casos desde 2009, sem contar outras 77 tentativas frustradas.